Entenda por que obras de arte são vendidas por preços tão altos
JOHN GAPPER
DO "FINANCIAL TIMES"
DO "FINANCIAL TIMES"
Quando investidores ricos concorrem uns contra os
outros para adquirir um ativo, eles decerto devem ter certeza de seu valor
financeiro, não? Para o presidente da Christie's, Jussi Pylkkänen, a resposta é
sim.
Na noite de segunda (11), ele vendeu "'As Mulheres de Argel" (Versão O), de Picasso -a mais cara da história dos leilões-, por US$ 179,4 milhões (cerca de R$ 535,1 milhões).
Na noite de segunda (11), ele vendeu "'As Mulheres de Argel" (Versão O), de Picasso -a mais cara da história dos leilões-, por US$ 179,4 milhões (cerca de R$ 535,1 milhões).
"Os participantes de um leilão estão muito
cônscios do valor do objeto e tomam decisões de maneira extremamente
ponderada", disse Pylkkänen depois da venda. Os lances finais pelo quadro
foram realizados cautelosamente, em incrementos de US$ 500 mil.
Em meio a leilões recorde em Londres e Nova York, a
arte é cada vez mais tratada como ativo financeiro. "Swamped", um
quadro de Peter Doig, 56, um artista escocês, foi vendido por US$ 29,5 milhões
na noite de segunda.
Bilionários voam à Art Basel Miami a fim de comprar
nas grandes galerias, executivos de gestão de patrimônio privado aconselham aos
clientes comprar arte para diversificar seus investimentos e obras-primas lotam
armazéns no porto livre de Genebra.
Mas quadros não são títulos financeiros. O valor
financeiro de qualquer obra de arte continua tão intangível e indefinível
quanto o sorriso da Mona Lisa. Como definiu o economista William Baumol, 30
anos atrás, os preços dos quadros "flutuam mais ou menos sem direção...
Quem busca valor intrínseco, em termos financeiros, faria bem em procurá-lo em
outro lugar".
Ainda que não saibamos quem comprou o Picasso,
podemos ao menos especular sobre seus motivos. O verdadeiro valor está em ser
dono de um quadro que museus como o Tate ou o Getty adorariam poder exibir ao
público, e deslumbrar a si mesmo e aos amigos com uma obra que poucos poderão
ver.
A única maneira de provar que você é o tipo de
pessoa tanto culta quanto rica o bastante para ser dono de um trabalho
importante de Picasso é comprar um deles.
Obras de arte "são uma escolha muito racional
para aqueles que obtêm alto retorno na forma de prazer estético", concluiu
Baumol. O economista John Picard Stein escreveu, em 1977, que o valor da arte
vem do prazer que proporciona e, por isso, "não é capturável por
especuladores".
Há também recompensas sociais -ser convidado a
jantares em galerias e museus. Em pesquisa do grupo de auditoria Deloitte com
colecionadores de arte, no ano passado, 61% admitiram esse fator como
motivação.
AS DEZ OBRAS DE ARTE MAIS CARAS DA HISTÓRIA
Obra
|
Autor
|
valor atualizado
|
valor no dia da venda
|
ano da venda
|
"When will you marry me?"
|
PaulGauguin
|
US$ 330 milhões
|
US$ 330 milhões
|
2015
|
"Os Jogadores de Carta"
|
Paul Cézanne
|
US$ 263,1 milhões
|
US$ 250 milhões
|
2011
|
"As Mulheres de Argel"
|
Pablo Picasso
|
US$ 179,4 milhões
|
US$ 179,4 milhões
|
2015
|
"nº 5 - 1948"
|
Jackson Pollock
|
US$ 164,4 milhões
|
US$ 140 milhões
|
2006
|
"Mulher 3"
|
Willem de Koonig
|
US$ 161,5 milhões
|
US$ 137,5 milhões
|
2006
|
"Retrato de Adele Bloch-Bauer 1
|
Gustav Klimt
|
US$ 158,5 milhões
|
US$ 135 milhões
|
2006
|
"Le Rêve"
|
Pablo Picasso
|
US$ 157,5 milhões
|
US$ 155 milhões
|
2013
|
"Retrato do Dr. Gachet"
|
Vincent Van Gogh
|
US$ 149,4 milhões
|
US$ 82,5 milhões
|
1990
|
"Três Estudos de Lucian Freud"
|
Francis Bacon
|
US$ 144,7 milhões
|
US$ 142,4 milhões
|
2013
|
"Bal du Moulin de la Galette"
|
Pierre-Auguste Renoir
|
US$ 141,5 milhões
|
US$ 78,1 milhões
|
1990
|
AnteriorOs retornos
financeiros são mais difíceis de deslindar. As vendas mundiais de obras de arte
subiram a € 51 bilhões (R$ 174 bilhões) no ano passado, de acordo com a
Fundação Europeia de Belas Artes, superando o pico anterior de € 48 bilhões de
euros, em 2007. É um valor minúsculo se comparado aos quase R$ 880 trilhões
(US$ 294 trilhões) em ativos financeiros nos mercados mundiais, mas ainda assim
é uma quantia que precisa ser justificada financeiramente.
É difícil fazê-lo. O índice Mei Moses World All
Art, que acompanha os preços das obras de arte vendidas em leilão, subiu 7%
entre 2003 e 2013 -ligeiramente menos do que o índice de ações S&P 500 (a
arte contemporânea obteve retorno mais alto, 10,5%).
A arte se saiu melhor que os títulos financeiros ao
longo das últimas décadas, de acordo com alguns indicadores, mas existem
motivos para ceticismo.
Um deles é que medir os retornos financeiros de
obras que são vendidas e mais tarde revendidas em leilão ignora as peças que
jamais retornam ao mercado, possivelmente por terem caído de valor.
Um segundo é que o mercado de arte sofre de
opacidade e pesada falta de liquidez -nenhum quadro, mesmo que de autoria do
mesmo artista é exatamente equivalente a outro.
Um terceiro fator é que os custos por transação são
extremamente altos - as casas de leilão cobram cerca de 20% de comissão dos
vendedores.
O aspecto mais exótico do mercado (entre muitos) é
o de que os colecionadores mais ricos assumem os riscos financeiros menos
previsíveis, ao menos quando fazem lances em leilões em lugar de comprar obras
sigilosamente por meio de galerias.
Obras primas como "As Mulheres de Argel"
muitas vezes apresentam desempenho abaixo da média em longo prazo, enquanto
quadros menos glamourosos têm melhor chance de obter retornos estáveis.
Obras-primas podem perder o lustro -a arte do
pós-guerra agora é celebrada, enquanto peças anteriores perderam importância.
Doig superou Damien Hirst, mas o comprador de "Swamped", de Doig, não
tem como saber se o valor vai perdurar.
Os economistas Jianping Mei e Michael Moses
alertaram, em um estudo sobre os preços da arte entre 1955 e 2004, que "os
investidores não devem se obcecar por obras-primas e precisam se precaver
contra lances excessivos".
Ou talvez não: desafiar as probabilidades, assumir
uma postura pública extravagante e por fim tomar posse de um quadro
reverenciado de Picasso é o bastante.
Não há dúvida de que "As Mulheres de
Argel" é uma obra de arte extraordinária. Determinar se será um
investimento excepcional é outro assunto. Mas para o comprador, isso pode não
importar.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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