sábado, 16 de maio de 2015

VALE QUANTO PESA ? ABSURDO ?

Entenda por que obras de arte são vendidas por preços tão altos
JOHN GAPPER
DO "FINANCIAL TIMES"
Quando investidores ricos concorrem uns contra os outros para adquirir um ativo, eles decerto devem ter certeza de seu valor financeiro, não? Para o presidente da Christie's, Jussi Pylkkänen, a resposta é sim.
Na noite de segunda (11), ele vendeu "'As Mulheres de Argel" (Versão O), de Picasso -a mais cara da história dos leilões-, por US$ 179,4 milhões (cerca de R$ 535,1 milhões).
"Os participantes de um leilão estão muito cônscios do valor do objeto e tomam decisões de maneira extremamente ponderada", disse Pylkkänen depois da venda. Os lances finais pelo quadro foram realizados cautelosamente, em incrementos de US$ 500 mil.
Em meio a leilões recorde em Londres e Nova York, a arte é cada vez mais tratada como ativo financeiro. "Swamped", um quadro de Peter Doig, 56, um artista escocês, foi vendido por US$ 29,5 milhões na noite de segunda.
Bilionários voam à Art Basel Miami a fim de comprar nas grandes galerias, executivos de gestão de patrimônio privado aconselham aos clientes comprar arte para diversificar seus investimentos e obras-primas lotam armazéns no porto livre de Genebra.
Mas quadros não são títulos financeiros. O valor financeiro de qualquer obra de arte continua tão intangível e indefinível quanto o sorriso da Mona Lisa. Como definiu o economista William Baumol, 30 anos atrás, os preços dos quadros "flutuam mais ou menos sem direção... Quem busca valor intrínseco, em termos financeiros, faria bem em procurá-lo em outro lugar".
Ainda que não saibamos quem comprou o Picasso, podemos ao menos especular sobre seus motivos. O verdadeiro valor está em ser dono de um quadro que museus como o Tate ou o Getty adorariam poder exibir ao público, e deslumbrar a si mesmo e aos amigos com uma obra que poucos poderão ver.
A única maneira de provar que você é o tipo de pessoa tanto culta quanto rica o bastante para ser dono de um trabalho importante de Picasso é comprar um deles.
Obras de arte "são uma escolha muito racional para aqueles que obtêm alto retorno na forma de prazer estético", concluiu Baumol. O economista John Picard Stein escreveu, em 1977, que o valor da arte vem do prazer que proporciona e, por isso, "não é capturável por especuladores".
Há também recompensas sociais -ser convidado a jantares em galerias e museus. Em pesquisa do grupo de auditoria Deloitte com colecionadores de arte, no ano passado, 61% admitiram esse fator como motivação.

AS DEZ OBRAS DE ARTE MAIS CARAS DA HISTÓRIA
Obra
Autor
valor atualizado
valor no dia da venda
ano da venda
"When will you marry me?"
PaulGauguin
US$ 330 milhões
US$ 330 milhões
2015
"Os Jogadores de Carta"
Paul Cézanne
US$ 263,1 milhões
US$ 250 milhões
2011
"As Mulheres de Argel"
Pablo Picasso
US$ 179,4 milhões
US$ 179,4 milhões
2015
"nº 5 - 1948"
Jackson Pollock
US$ 164,4 milhões
US$ 140 milhões
2006
"Mulher 3"
Willem de Koonig
US$ 161,5 milhões
US$ 137,5 milhões
2006
"Retrato de Adele Bloch-Bauer 1
Gustav Klimt
US$ 158,5 milhões
US$ 135 milhões
2006
"Le Rêve"
Pablo Picasso
US$ 157,5 milhões
US$ 155 milhões
2013
"Retrato do Dr. Gachet"
Vincent Van Gogh
US$ 149,4 milhões
US$ 82,5 milhões
1990
"Três Estudos de Lucian Freud"
Francis Bacon
US$ 144,7 milhões
US$ 142,4 milhões
2013
"Bal du Moulin de la Galette"
Pierre-Auguste Renoir
US$ 141,5 milhões
US$ 78,1 milhões
1990

AnteriorOs retornos financeiros são mais difíceis de deslindar. As vendas mundiais de obras de arte subiram a € 51 bilhões (R$ 174 bilhões) no ano passado, de acordo com a Fundação Europeia de Belas Artes, superando o pico anterior de € 48 bilhões de euros, em 2007. É um valor minúsculo se comparado aos quase R$ 880 trilhões (US$ 294 trilhões) em ativos financeiros nos mercados mundiais, mas ainda assim é uma quantia que precisa ser justificada financeiramente.
É difícil fazê-lo. O índice Mei Moses World All Art, que acompanha os preços das obras de arte vendidas em leilão, subiu 7% entre 2003 e 2013 -ligeiramente menos do que o índice de ações S&P 500 (a arte contemporânea obteve retorno mais alto, 10,5%).
A arte se saiu melhor que os títulos financeiros ao longo das últimas décadas, de acordo com alguns indicadores, mas existem motivos para ceticismo.
Um deles é que medir os retornos financeiros de obras que são vendidas e mais tarde revendidas em leilão ignora as peças que jamais retornam ao mercado, possivelmente por terem caído de valor.
Um segundo é que o mercado de arte sofre de opacidade e pesada falta de liquidez -nenhum quadro, mesmo que de autoria do mesmo artista é exatamente equivalente a outro.
Um terceiro fator é que os custos por transação são extremamente altos - as casas de leilão cobram cerca de 20% de comissão dos vendedores.
O aspecto mais exótico do mercado (entre muitos) é o de que os colecionadores mais ricos assumem os riscos financeiros menos previsíveis, ao menos quando fazem lances em leilões em lugar de comprar obras sigilosamente por meio de galerias.
Obras primas como "As Mulheres de Argel" muitas vezes apresentam desempenho abaixo da média em longo prazo, enquanto quadros menos glamourosos têm melhor chance de obter retornos estáveis.
Obras-primas podem perder o lustro -a arte do pós-guerra agora é celebrada, enquanto peças anteriores perderam importância. Doig superou Damien Hirst, mas o comprador de "Swamped", de Doig, não tem como saber se o valor vai perdurar.
Os economistas Jianping Mei e Michael Moses alertaram, em um estudo sobre os preços da arte entre 1955 e 2004, que "os investidores não devem se obcecar por obras-primas e precisam se precaver contra lances excessivos".
Ou talvez não: desafiar as probabilidades, assumir uma postura pública extravagante e por fim tomar posse de um quadro reverenciado de Picasso é o bastante.
Não há dúvida de que "As Mulheres de Argel" é uma obra de arte extraordinária. Determinar se será um investimento excepcional é outro assunto. Mas para o comprador, isso pode não importar.

Tradução de PAULO MIGLIACCI 


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