IDH: Cidadania não é ter educação e saúde. É poder comprar TV LED de 60″
Leonardo Sakamoto
24/07/2014 11:34
Você comprou uma TV LED de 60 polegadas e, por isso, sente-se –
finalmente – no mesmo patamar dos seus vizinhos que já tinham uma em casa.
Consegue se enxergar como um cidadão como nunca antes. Mas está endividado por
ter que pagar o plano de saúde mequetrefe que te deixa na mão (porque subiu um
pouco na vida, não é mais “pobre'' e não quer enfrentar a fila do SUS).
E, ao mesmo tempo, com a corda no pescoço pela dívida contraída com a
sua faculdade caça-níqueis de qualidade duvidosa (educação básica
universalizou, mas a qualidade não acompanhou). Afinal, você não tinha dinheiro
para pagar um colégio particular e, portanto, não conseguiu entrar em uma
universidade pública para fazer aquele sonhado curso de medicina.
Você acredita que qualidade de vida significa apenas ter acesso a
eletrodomésticos, carros populares e iogurte?
De acordo com relatório divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud), nesta quinta (24), o Índice de Desenvolvimento Humano
Brasil subiu (0,744) e superou a média da América Latina e Caribe. Mas o país
ainda ocupa o 79º lugar no ranking mundial com 187 países. A desigualdade
de renda e de oportunidades ainda impedem que avancemos mais
rapidamente no acesso à saúde e à educação de qualidade – elementos
considerados na construção do indicador.
Fazemos parte do seleto grupo de países ricos com altíssima concentração
de riqueza e respeito insuficiente aos direitos humanos. Situação que não vai
mudar tão cedo, tendo em vista que a estrutura que a sustenta muda muito
lentamente. Não importa o quão forte torturemos os números, fazendo leituras
descontextualizadas, para acelerar o processo.
Na média, o Brasil é um país rico. O problema é que ele continua na mão
de poucos: a) O PIB sobe (mesmo que menos que o esperado) e fluiu mais para as
mãos dos que puderam comprar ações do que daqueles que dependeram de salário
mínimo ou de programas de distribuição de renda; b) A educação está sendo
universalizada – contudo a extensão de sua abrangência não é acompanhada pela
sua qualidade, nem de longe; c) Vive-se mais, mas não necessariamente melhor.
Posso debater com quem discorda disso na fila de um hospital público enquanto
aguardamos uma consultinha.
Quando tratamos do tema por essa ótica, sempre aparece a cantilena que
“a população tem que entender que o crescimento vai beneficiar a todos. Não
agora. Em algum momento''. Os economistas da ditadura falavam a mesma coisa,
mas de uma forma diferente, algo como “é preciso primeiro fazer o bolo crescer,
para depois distribui-lo''. Por isso, apesar de você ter ajudado a produzir o
doce tira a mão dele que não é hora de você consumi-lo. Hoje, são alguns que
vão comer. Vai chegar a sua vez de provar do bom e do melhor. Algum dia.
Considerando que a desigualdade social por aqui, que cai ano a ano,
continua uma das altas do mundo, percebe-se o tipo de resultado dessa fórmula.
O melhor de tudo é o tom professoral (“A população tem que entender''), como se
o especialista fosse um ser iluminado, dirigindo-se para o povo, bruto e rude
para explicar que aquilo que sentem não é fome. Mas sim sua contribuição com a
geração de um superávit primário para que sejam honrados os compromissos do
país. Agora, fazer uma auditoria da dívida brasileira que é bom, governo
nenhum, tucano ou petista, topou fazer.
O debate sobre desenvolvimento é uma discussão sobre a qualidade de
vida. Que só será efetivo caso não exclua a população mais pobre dos benefícios
trazidos por ele e não seja resultado da dilapidação dessa mesma população. A
pergunta que temos que fazer é: estamos conseguindo dividir o bolo, não por
igual, mas com ênfase em quem mais precisa por ter sido historicamente
dilapidado?
Estamos conseguindo diminuir a concentração de renda na maior velocidade
possível ou poderíamos ir além e implementar medidas para que não apenas os
filhos dos mais pobres usufruam de uma boa vida em um futuro distante, mas eles
próprios, aqui e agora? Pois esse é o tipo de situação em que não dá para
perder peões a fim de ganhar o jogo.
Você se importa com tudo isso ou se preocupa apenas em comprar um home
theater para a sua TV nova?
Nenhum comentário:
Postar um comentário