Raduan Nassar:
"Vivemos tempos sombrios"
por Redação — publicado 17/02/2017 11h00, última
modificação 17/02/2017 09h44
Em seu
pronunciamento na entrega do Prêmio Camões de literatura, o escritor critica o
golpe, o governo Temer e o STF. Leia a íntegra
Às dez e meia da manhã desta sexta-feira 17, o escritor Raduan Nassar subiu ao palco
montado no Museu Lasar Segall, em São Paulo, para receber o Prêmio Camões de 2016,
honraria concedida pelos governos do Brasil e Portugal e um dos principais
reconhecimentos da literatura em língua portuguesa. Nassar ofereceu à plateia o
seguinte discurso:
Senhora Helena Severo, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional.
Professor Jorge Schwartz, Diretor do Museu Lasar Segall.
Saudações a todos os convidados.
Tive dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo
voto unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro ter sido
contemplado no berço de nossa língua.
Estive em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde
a Revolução dos Cravos no ano
anterior. Além de amigos portugueses, fui sempre carinhosamente acolhido pela
imprensa, escritores e meios acadêmicos lusitanos.
Portanto, Sr.Embaixador, muito obrigado a Portugal.
Infelizmente, nada é tão azul no nosso Brasil.
Vivemos tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos
Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas escolas
de ensino médio em muitos estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro da
Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; violência contra a
oposição democrática ao manifestar-se na rua. Episódios todos perpetrados
por Alexandre de Moraes.
Com curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por
omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima inclusive por
uma incontinência verbal assustadora, de um partidarismo exacerbado, há vídeo,
atestando a virulência da sua fala. E é esta figura exótica a indicada agora
para o Supremo Tribunal Federal.
Os fatos mencionados configuram por extensão todo um governo repressor:
contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades
federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva de Celso Amorim. Governo atrelado
por sinal ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração da riqueza, o que
vem desgraçando os pobres do mundo inteiro.
Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado
pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.
Prova da sustentação do governo em exercício aconteceu há três dias,
quando o ministro Celso de Mello, com suas intervenções enfadonhas, acolheu o
pleito de Moreira Franco. Citado 34 vezes numa única delação, o ministro Celso
de Mello garantiu, com foro privilegiado, a blindagem ao alcunhado “Angorá”. E
acrescentou um elogio superlativo a um de seus pares, o ministro Gilmar Mendes,
por ter barrado Lula para a Casa
Civil, no governo Dilma. Dois pesos e duas medidas
É esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com
seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da
nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos
Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita
pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado.
Não há como ficar calado.
Obrigado
Fonte: Carta Capital
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