Lisboa inaugura mostra de
artista do século XVII que virou maior pintora barroca de Portugal
Josefa de Óbidos viveu profissionalmente da pintura
e fez pelo menos 130 obras, que estão expostas no Museu de Arte Antiga da
capital portuguesa até setembro
Viveu profissionalmente da pintura. Foi empresária.
Chegou a ingressar em um convento, mas logo saiu. Nunca se casou. Morreu com
fama e riqueza consideráveis. Tudo isso no século XVII. Josefa de Ayala ergueu
na pequena província portuguesa de Óbidos uma vida incomum a uma mulher de sua
época, convertendo-se na maior referência do Barroco português.
Emancipada e com importantes encargos da Igreja em
Portugal e na Espanha, deixou centenas de obras que hoje são conhecidas
mundialmente – estão na coleção do Museu do Prado (Madri) e do Louvre (Paris). Lisboa inaugurou
no Museu Nacional de Arte Antiga, no último dia 16, a maior exposição até hoje
de seus trabalhos, em exibição que vai até 6 de setembro. “As obras dela mostram um domínio dos efeitos da
luz, gosto pelo detalhe e uma beleza idealizada”, disse a OperaMundi Joaquim
Oliveira Caetano, um dos curadores.
Ao longo de 130 obras de pintura, escultura e artes
decorativas, pretende-se afastar o mito de uma artista beata e provinciana. Ao
contrário, Josefa era uma mulher culta e independente. De família bastante
religiosa – dois de seus irmãos eram clérigos – teve uma breve passagem por um
convento, não chegando a se tornar freira. Manteve em toda sua vida, contudo,
uma profunda admiração por Santa Teresa D'Ávila, a grande influência feminina
do período na Península Ibérica. Diversas de suas obras a homenageiam.
A história de Josefa de Óbidos, como ficou
conhecida, desafia a história da arte, que pouco ou nada diz sobre mulheres
artistas. Apesar de não haver qualquer retrato ou autorretrato seu, o legado
que deixou vai além de um rosto. Nascida em Sevilha em 1630, regressou cedo
para a terra natal do pai, o pintor Baltazar Gomes Figueira, precursor das
naturezas-mortas em Portugal, à maneira do bodegón espanhol.
Trabalharam juntos no mesmo ateliê durante anos, e só passou a assinar as
naturezas-mortas depois da morte do pai.
A abrangência da obra de Josefa é, porém, mais
ampla. Dona de um estilo herdeiro do tenebrismo de origem mais nórdica,
consagrou-se por um profundo e culto misticismo, sobretudo na fase mais madura,
quando se torna uma ativa pintora de retábulos (estrutura em pedra ou madeira
que se coloca na parte posterior de um altar).
Santa Teresa Esposa Mística (1672) -
Óleo sobre tela. Paróquia de Cascais
Josefa também acumulou outras conquistas
excepcionais. Dedicou-se em paralelo à pintura e à gravura, uma escolha pouco
usual à época, além de ter sido o caso mais precoce na pintura em Portugal: aos
16 anos, já compunha obras em pequeno formato, mas de uma qualidade e riqueza
de detalhes que seriam sua marca ao longo de quatro décadas de carreira.
Emancipação
Aos 30 anos e com consenso dos pais, ela adquire um
estatuto de emancipação administrativa, equiparando-se a uma viúva. Até então,
as mulheres estavam obrigadas a dependerem de um homem (o pai ou o marido) para
efeitos de negócios. Era seu pai quem lhe comprava as chapas de cobre para
pintar ou que recebia os valores da venda das gravuras, por exemplo.
A partir daí, a artista consegue grandes encargos
(especialmente na região espanhola da Estremadura), compra sua própria casa,
passa a viver sozinha e começa a mover-se no mundo dos negócios. Adquirem bens,
terras e empresta dinheiro com juros. “Não era normal uma mulher solteira viver
com completa independência, fora da casa dos pais, sem abdicar de sua
profissão, e seguir a ser considerada socialmente um modelo de virtude”,
salienta Caetano. Algum tempo após sua morte, aos 54 anos, já há registros de
biografias escritas sobre ela.
Entre as principais obras, estão as da fase tardia,
como o Menino Jesus Peregrino (1676), Santa Teresa
Esposa Mística (1672) e as telas de retábulo com a Vida de
Santa Teresa de Jesus, pintadas em 1672 para a Igreja Matriz de Cascais.
Também ocupa lugar de destaque a vasta coleção de obras de natureza-morta,
muitas das quais compôs em coautoria com o pai, o que dificulta sua
identificação.
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