Juca Ferreira quer MinC
transparente e Lei Rouanet com menos poder para empresas
Charles
Nisz | FONTE:operamundi
Ministro da Cultura disse que lei de incentivo deve
ser redesenhada para ter empresas mais preocupadas com projetos culturais em
menos com retorno de marketing
O ministro da Cultura, Juca Ferreira, voltou a
criticar a Lei Rouanet e prometeu reformas na pasta, com a criação de um
Gabinete Digital, pensado para proporcionar maior participação e mais
transparência nas decisões tomadas pelo ministério. Para Ferreira, que volta ao
cargo que já ocupara entre 2008 e 2010, a legislação de fomento à cultura como
é hoje dá muito poder de decisão às empresas, que controlam e escolhem, por
meio da renúncia fiscal, o que será ou não financiado.
“Como está em vigor hoje, a Lei Rouanet é um
engodo. Passamos seis anos discutindo uma nova formulação para a lei, com mais
de 100 mil pessoas em todo o país”, disse o ministro, em encontro com
midialivristas na última quarta-feira (04/03) Uma das propostas de Ferreira é a
diminuição do teto para a renúncia fiscal para 80%. “As empresas, na realidade,
não investem nada em cultura, apenas emprestam o dinheiro. Fazem um
Nesse sentido, Ferreira argumenta que é necessária
uma nova formulação da lei, com os patrocinadores efetivamente financiando
projetos culturais. “Uma das propostas é a criação de um Fundo Nacional de
Cultura, como o existente nos EUA, Inglaterra, Espanha e Argentina, por
exemplo”. Ferreira não descarta parcerias público-privadas, onde governo e
empresas financiam um projeto de risco e colhem os eventuais lucros caso haja
sucesso na empreitada.
Outro aspecto danoso da Lei Rouanet, na ótica do
ministro, é o poder exacerbado que as empresas detêm, atrelando incentivo
cultural a retorno de marketing para as companhias. “Cerca de 80% dos recursos
para política cultural no Brasil vêm da renúncia fiscal. Ou seja, as empresas
acabam dirigindo a escolha do que vai ou não ser financiado. Só é financiado
aquilo que dá retorno de imagem para as empresas. Há estudos mostrando como as
empresas que investem na Lei Rouanet reduziram suas equipes de marketing”,
criticou o ministro.
A concentração de recursos foi outro ponto citado
por Ferreira. “Cerca de 80% dos recursos da Lei Rouanet ficam nos estados de SP
e RJ, 60% são para apoiar ações culturais nas capitais desses dois estados”.
Segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do IBGE
(Instuto Brasileiro de Geografia e Estatística), apenas 20% dos candidatos
recebem verba da Lei Rouanet. “Ou seja, é uma concentração muito grande dos
recursos”, disse Ferreira. Como exemplo de distorção, Ferreira citou a
Orquestra do Ceará, que perdeu patrocínio da Lei Rouanet por colocar música
popular (Luiz Gonzaga) em seu repertório — o patrocínio só vale para música
erudita.
Gestão do ministério
“O ministério pede mais densidade”, afirma
Ferreira. Sem citar nominalmente gestões anteriores, o ministro afirma que
“existe um clima de insegurança sobre os gastos do ministério”. Mesmo com
orçamento reduzido, Ferreira enfatizou a necessidade de aumentar o protagonismo
da pasta diante da atual conjuntura. O ministro anunciou a retomada dos Pontos
de Cultura, uma das marcas da gestão Gilberto Gil e do próprio Ferreira durante
os oito anos de governo Lula.
“São 100 mil grupos de cultura no Brasil, temos que
facilitar o protagonismo cultural da sociedade. Existem novas formas de
organização cultural que o Estado não consegue incorporar”, explicou. Segundo
Guilherme Varella, secretário de Políticas Culturais, uma das iniciativas a
serem implementadas é o Gabinete Digital, uma maneira de ampliar os espaços de
discussão e, ao mesmo tempo, dar mais transparência aos atos e aos gastos no
ministério.
Uma aproximação com o Ministério das Comunicações
também faz parte dessa estratégia de maior diálogo com a sociedade: “Há
disposição nos dois ministérios para integrar políticas de internet,
comunicação e política tecnológica”. Segundo Ferreira, a política cultural não
pode prescindir das plataformas digitais. “O cumprimento da meta de banda larga
em 90% do país é fundamental para potencializar os pontos de cultura e de mídia
livre”, explicou Juca.
De acordo com o ministro, há dois tipos de
equipamentos culturais vistos com pouca atenção no Brasil: “Precisamos cuidar
melhor das nossas bibliotecas e museus. É preciso melhorar o padrão dos nossos
museus. Por que o brasileiro vai ao exterior para visitar o Louvre, o Museu de
Arte Moderna em Nova York e não conhece os museus daqui?”. O ministro anunciou
a criação de um mestrado em gestão cultural pela Casa Rui Barbosa.
Ciclo político
Na opinião de Ferreira, falta politização da classe
política brasileira. “Muitos artistas falam para eu não criticar a Lei Rouanet,
pois eles realmente tem a ilusão de receber algum tipo de recurso”. O ministro
usou a discussão sobre a Lei Rouanet para inserir o MinC no cenário político
brasileiro atual: “Há um esgotamento do ciclo político e não soubemos repactuar
as forças em disputa. A relação da sociedade com o Estado brasileiro mudou”,
afirmou Ferreira.
Para ele, “nada do que foi escrito nos séculos XIX
e XX dá conta de entender as mudanças sociais e políticas enfrentadas no Brasil
e no mundo”. Há uma emergência de um reacionarismo, racismo e violência contra
a mulher com a qual precisamos lidar”. Ferreira criticou o próprio PT pela sua
dificuldade em reagir a essas mudanças: “Quando a esquerda se parece com a
direita, quem ganha é sempre a direita”.
"O
povo percebe um Estado ineficiente e inadequado, não se reconhece nele. Não
podemos ser lenientes com a corrupção e com um Estado pouco aberto à
participação popular. Cabe ao MinC tomar as decisões que forem necessárias”.
Segundo Ferreira, há uma conjuntura de crise do Estado, da Política e dos
Partidos. Essa crise pode ser resolvida com a mediação da cultura.
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